Sobre as músicas do blog... Não devem ser consideradas simples "fundos musicais" para os textos... Foram escolhidas com carinho e apreço, dentre o que há de melhor... São verdadeiras jóias que superam em muito os textos deste humilde escrevinhador... Assim, ao terminar de ler certo texto, se houver música na postagem, termine de ouví-la, retorne, ouça-a novamente se toda atenção foi antes dedicada ao texto... "interromper uma bela música é como interromper uma boa foda... Isso não se faz!..." Por último, se você conhece uma música que, na sua opinião, combina melhor com o texto, não deixe de enviar sua sugestão...

Confissões indevidas

Música deste post (é bem melhor com música):"Autumn In New York". Composição de Vernon Duke. Interpretação: Chet Baker.


Confissão de Pinocchio - Kathryn Renne - Técnica Mista


 
Confissões indevidas...


Vejo-me cercado de seres humanos...
Filhos, parentes, amigos...
Até estranhos... Pretendentes a novas amizades...
E entres goles de scotch, vinhos, cervejas, licores, acepipes, doces e sorvetes,
meu olhar fixa o nada...
Tudo vejo porém...
E apercebo-me que olho para mim mesmo...
Um vácuo interior...
Falo de forma autômata, comento esportes, discuto teses...
Como se fosse outro a falar...
Ouço as vozes distantes,
Soam sem substância, só fazem assarapolhar o som...
As músicas que escolhi com esmero, quase carinho... 


As pessoas não se apercebem do meu vazio interior
Cumprimento-as, dou-lhes sorrisos, pergunto como vão, respondo a perguntas semelhantes...
Passo a preferir conversas virtuais...
Falo com quem não conheço pessoalmente...
Tornam-se personagens... Imagino-as como quero...
Com os atributos que me interessam...
Como gostaria de vê-las...
Tenho, assim, medo de conhecê-las e quebrar este mundo...
Que vagarosamente acabou por se formar...
Pequeno, mas que me permite rever sempre que quero...
Nas palavras que disse, naquilo que disseram
e ficou gravado no computador...
Imagino se grandes filósofos, cientistas e artistas da história, quando contemporâneos, pudessem trocar informações de forma assim, instantânea, e revê-las, alterar, corrigir o que foi dito...


E quando chega a noite, na solidão revejo, leio, tudo aquilo...
O raiar do dia me pega ainda ali, a voltear o passado recente...
Retorno para uma realidade triste...
De interesses materiais, de comportamentos convencionais...
De hipocrisias inocentes e atitudes incoerentes...
Veladas por ternos caros, tailleurs de corte fino e cores sóbrias, roupas esportes de grife, ornadas com Rolexes, Ômegas, Vacherons Constantins, Cartiers, H. Steins, celulares e smart-phones que emprestam respeitabilidade à vilania, condescendência à ambição exagerada, vistas através de Maui Jim, Oakley, Dolce & Gabana, Ray-Ban, de maus-cheiros encobertos por Jo Malone, Jadore, Channel Nº 5, Armani, Caroline Herrera, Acqua di Parma...
Elogios e deferências já não me comovem, críticas muito menos, preocupo-me mais com meu mundo virtual, sem saber se quem está do outro lado está com ou sem roupa, se tem ou não dinheiro, se trabalha ou vive na vagabundagem, se mente ou fala verdades, se está ou não à caça pela justiça ou polícia...
Zelo mais pelo que não tenho do que pelo o que está ao meu lado...
É mais fácil acreditar no que dizem aqueles que não conheço...
Sou, enfim, alguém descrente com a realidade, que busca na virtualidade encontrar alternativa não à vida, mas à esperança, posto que essa, em relação àqueles que me rodeiam, sucumbe dia-a-dia...




2 comentários:

  1. O virtual é a projeação daquilo que desejamos, daquilo que nos falta na mesmice do real. No virtual bailam as luzes da esperança, da simplicidade e magia. No virtual acontem, a priori, os encontros das almas, transparentes em si mesmas, depreendidas e alheias às imposições da vida real. Acredito que tudo aquilo que nasce de dentro pra fora tende a ser bem mais verdadeiro e perene. Muitas vezes, encontramos ali, naquele plano virtual as respostas para aquilo que passamos a vida inteira buscando e de repente, nos sentimos em casa.

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  2. Achei o título e a imagem perfeitos ao texto.... Um texto corajoso que expõe o sentimento de vazio que a superfluidade do comportamento atual traz ao ser humano, enquanto crítico dos seus atos e de seus semelhantes, enquanto crítico do modo de vida que estabeleceu-se "como padrão" ao ser humano... A visão do que a virtualidade encerra é prova da sua condição "de guru", como já expressei em outro comentário...

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